Kaio Jorge marcou seu primeiro gol como profissional na vitória sobre o Defensa Y Justicia (Crédito: Divulgação/Santos FC)

O Santos sempre foi meu universo particular. Quer dizer, um universo de dois: eu e meu pai. Ao longo da minha vida eu quase não tive amigos santistas, nem mesmo amigos que gostassem de futebol como eu. Mais tarde, quando conheci o Henry, tenho certeza que o futebol foi determinante pra que nosso relacionamento desse certo e, até hoje, é um dos pilares do nosso relacionamento. De qualquer forma, era um mundo de três, no máximo. Ninguém mais entrava no universo particular, que eu sempre intitulei de “nunca foi só futebol”.

Foi em 2020 que tudo mudou. Eu mudei, de país no caso, e me vi sozinha, sem meu pai ali do meu lado pra comemorar vitórias e lamentar derrotas. A ficha caiu no primeiro jogo da Libertadores, na Argentina, contra o Defensa y Justicia. O Santos começou o jogo perdendo e o trabalho do treinador já não dava sinais de que seria promissor. Mas Jobson empatou o jogo. E a gente, torcedor que é, santista que é, tem essa mania complicada de sempre acreditar no time, mesmo que ele insista em desgraçar nossa cabeça.

E veio. Aos 40 minutos do segundo tempo, quando estádios de futebol ainda podiam ter público, Kaio Jorge, Menino da Vila, virou o jogo pro Santos. O primeiro dele com a camisa mais pesada do futebol brasileiro – talvez a mais pesada do futebol mundial.

Eu consigo ver aquela cena como se eu fosse uma espectadora, fora do meu corpo. Eu ajoelhei, pus a testa no chão e segurei as lágrimas. De emoção, de saudade do meu pai. Naquele dia, mais um jogo no ingrato horário das 19h15, ele estava trabalhando e não conseguiu assistir. Acabou e ele me ligou. Narrei tudo, tudinho que tinha acontecido pra ele. Mal sabia eu que uma chave estava prestes a virar naquele momento. Para o Santos e para mim.

Em 2020, com a pandemia, esse meu mundo particular, tão meu e do meu pai, se abriu e passou a aceitar muito, muito mais gente. Foi naquele dia que, provavelmente, eu percebi que o sentimento pelo Santos já não cabia apenas no meu peito. Porque a alegria sincera que a gente sente quando nosso time de futebol faz gol é grande demais pra ser apenas nossa. O amor, a paixão que o Santos desperta no torcedor é tão autêntico que cria vínculos, como o meu e do meu pai durante toda a vida.

Eu não tenho mais, fisicamente falando, como ir pra casa do meu pai assistir cada jogo, já que ele mora no Brasil e eu no Chile. Mas quando o jogo vai começar ele me manda sempre a mesma mensagem: “Pronta?”. Assim que o jogo termina, ele me liga pra gente comentar o que foi bom e o que não foi.

Em 2020, além do meu pai, meu eterno companheiro e cúmplice desse amor, eu ganhei muitos amigos por causa do Santos. Ganhei espaço, alguma visibilidade e, mais importante, a possibilidade de dividir uma paixão que me move e que moldou toda a minha vida e quem eu sou hoje.

Naquele dia, a partir daquele gol do Kaio Jorge, a chavinha virou pro Santos também. Um time desacreditado, sem poder contratar jogadores, mais um ano em que os Meninos da Vila, junto com outros jogadores mais experientes, teriam de dar tudo de si para provar seu valor.

E provaram.

Antes “lixaiada”, hoje finalistas da Libertadores.

Foi ali, no estádio Norberto Tomaghello, em Buenos Atires, que o Santos da temporada 2020/2021 provou o que é: um time com alma, acima de tudo. Um time brigador, que acredita até o fim, que tem vontade de coragem de mostrar seu valor.

É por isso que, mesmo diante de tudo, da crise política, dos atritos, de impeachment de presidente, de não poder contratar (#transferbannomuro), tantos santistas tiveram o Santos como desafogo num ano tão difícil. Porque a nossa paixão não cabe no peito. Em um ano com tão poucos motivos pra sorrir, foi o Santos na Libertadores que fez a gente ter bons motivos pra acreditar e se emocionar de forma positiva.

Não tem nada mais clichê pro santista que citar Chorão, que estaria muito feliz, como a gente, vivendo esse momento: “Eu sei se eu tiver fé eu volto até a sonhar”.

Na temporada 2020/2021, o Santos fez a gente sonhar. E tem poucos prazeres tão grandes quanto poder sonhar.

Que louco como o futebol mexe com a gente, com cada veia do nosso ser.

No sábado, um ciclo se encerra. Pra mim, continua sem ser só futebol. É minha vida, meu trabalho, meu engajamento, minha grande paixão, mobilizador.

Para o Santos, é o jogo mais importante nos últimos 10 anos. É a possibilidade da consagração de uma história de força, de coragem, de um time de alma.

Independentemente do que acontecer, tudo já valeu a pena. Tudo que pudemos viver em 2020/2021 graças ao Santos foi inexplicável. A maior torcida é que o capítulo final dessa história tenha o final perfeito.

Como diria Projota: “Vai, vai lá, não tenha medo do pior. Eu sei que tudo vai mudar, você vai transformar o mundo ao seu redor. Mas não vacila, moleque de vila”.

Vamos por mais, Santos.

Vamos juntos pelo tetra.

Vamos sonhar até o último segundo.