Marcelo foi campeão Argentino pelo Newell’s (Crédito: Reprodução)

O Santos encara o Newell’s Old Boys na noite desta terça-feira (2), às 21h30min, pela terceira rodada da fase de grupos da Copa Sul-Americana. O jogo será realizado no estádio Marcelo Bielsa, velho conhecido dos diretores e torcedores do Alvinegro Praiano.

Bielsa é considerado o maior ídolo da história do clube e revolucionou o futebol dos Leprosos, como são conhecidos, mesmo em pouco tempo no comando. O Santos, por outro lado, já tentou a contratador do profissional em algumas oportunidades, mas não conseguiu.

Em outubro do ano passado, o presidente Andres Rueda se reuniu com Bielsa e apresentou ao treinador um projeto detalhado do planejamento da equipe para os próximos anos com grande e informações minuciosas sobre a base do clube. Para não cometer erros, o Peixe trabalhou com calma e discutiu cada detalhe apresentado ao técnico.

A liberdade para tomar decisões sem “responder” a um gerente de futebol foi inclusive citada. Mesmo assim, Bielsa não foi convencido e deu um retorno negativo ao clube.

Essa, porém, não foi a única vez em que o Santos procurou Bielsa. O Alvinegro abriu conversas com o técnico argentino para discutir a possibilidade dele assumir o clube em 2011, após a saída de Adilson Batista, mas não conseguiu. Em 2013, as conversas ganharam ainda mais corpo e repercutiram internacionalmente.

Quem conta história é Pedro Luiz Nunes Conceição, antigo Diretor de futebol do Santos em 2010/11 e membro do Comitê de Gestão do clube entre 2012 e 2013.

“Em 2013 não foi a primeira vez. Antes, no início de março de 2011, depois da saída do Adilson Batista, e antes da negociação com Muricy (Ramalho), procuramos o Marcelo e fizemos uma Conference Call de quase 1h30. Estávamos em quatro pessoas, ele havia acabado de se demitir da Seleção Chilena. Como ocorre com todas as gestões amadoras nos Clubes Brasileiros, tínhamos pressa, a Libertadores já em andamento, o Santos correndo risco de não se classificar… Marcelo, muito atencioso, educado e didático, pediu o vídeo de todos os jogos do Clube em 2010 para poder analisar, aí depois iríamos até a sua residência na Argentina. Enfim, era uma negociação demorada. Dias depois falamos com ele, agradecemos, explicamos porque não iríamos avançar, ele ficou honrado e de certa forma foi estabelecido um relacionamento, ainda que superficial”, disse Pedro Luiz Nunes Conceição.

Bielsa é ídolo histórico no Newell’s Old Boys

A passagem de Marcelo Bielsa pelo clube argentino começou ainda como jogador, mas sem grande sucesso dentro dos campos. Em seu currículo ele acumula passagens por Argentino de Rosário e Instituto de Córdoba antes da precoce aposentadoria com apenas 25 anos.

Dois anos depois, Bielsa iniciou o seu trabalho como técnico de futebol na Universidade de Buenos Aires. A ida ao clube que o revelou demorou pouco tempo. A equipe fez o convite através de

Mas seu sonho teve a oportunidade de se realizar rapidamente quando o Newell’s Old Boys fez um convite para trabalhar nas categorias de base do clube. Jorge Griffa, ex-jogador formado no Newell’s e responsável pelo futebol de juniores da equipe.

Enquanto trabalha com jovens do clube, o Newell’s Old Boys passava por bons momentos sob comando de Jorge Solari, com dois vice-campeonatos da Argentina, mas foi com o técnico José Yudica que o time argentino conquistou o Campeonato do nacional do país na temporada 1987/1988 e o vice-campeonato na Libertadores.

O tempo de “água fresca” acabou secando nas duas temporadas seguintes com temporadas ruins e muitas críticas. Assim, a direção decidiu: o Newell’s Old Boys precisava passar por uma renovação e o nome escolhido não poderia ser outro: Marcelo Alberto Bielsa, que acara de conquistar um importante título com a equipe de base.

Em julho de 1990, Bielsa foi nomeado o treinador definitivo da equipe. Os primeiros problemas aconteceram logo de cara: o promissor Gabriel Batistuta tinha deixado o clube, assim como os zagueiros Roberto Sensini e Jorge Theiler, o lateral-esquerdo campeão mundial em 1986, Sergio Almirón e Víctor Ramos, maior artilheiro da história do clube.

Com poucos recursos financeiros e com o time se desmanchando, a única alternativa era recorrer ao lugar de maior conhecimento de Bielsa: categorias de base. Mauricio Pochettino, atual treinador e à época com 16 anos, subiu. Julio Saldaña e Eduardo Berizzo também ganharam espaço.

Neste processo, Bielsa voltou a ganhar Jorge Griffa, homem de confiança no clube. O presidente do clube à época, Mario García Eirea, deixou claro para a comissão técnica e departamento de futebol: nosso objetivo é permanecer na primeira divisão. Mal sabia o que estava por vir.

Antes de Bielsa assumir oficialmente o comando da equipe, Griffa e o treinador “dividiram” a Argentina em 70 partes com o objetivo de testar pelo menos mil jovens jogadores e escolher aqueles de maior destaque para levarem ao Newell’s. Os livros argentinos contam que ambos percorreram pelo menos 25.000 quilômetros para avaliar atletas.

“No clube de onde venho, o Newell’s Old Boys, a formação e a base dos jogadores era o mais importante. Sempre houve jogadores jovens com ambições imensas. Sempre houve jogadores jovens que nunca conseguiram mostrar a sua capacidade por falta de ambição. Lá, trabalhávamos cinco ou seis treinadores, e cada vez que um treinador tinha aquele jogador que não brilhava, outro dizia, ‘não se preocupe, no próximo ano vou tirar o melhor dele’. O jogador passaria pelos cinco treinadores que acompanhavam o Griffa, e qual seria a conclusão se não triunfasse? A conclusão seria a de que não era sobre o quão bom o treinador era, mas sobre a ambição do jogador e o quanto ele queria aquilo”, falou Bielsa já quando treinava o Leeds, em entrevista ao Yorkshire Evening Post.

Bielsa e Jorge Griffa, em parceria pelo Newell’s (Crédito: Reprodução)

Início com tropeços

O começo, porém, não foi fácil. A equipe foi derrotada por 2 a 1 para o Huracán, time que subiu à primeira divisão um ano antes, e o River Plate, por 1 a 0. Havia cobranças por parte dos torcedores e dentro do próprio clube. Fabian Costello, ex-jogador do clube e que foi treinador por Bielsa na base, falou que o treinador mudou a forma de enxergar os técnicos.

“Ele era muito jovem para ser treinador […] sendo honesto, eu estava muito cético. Não era muito impressionante pensar que esse cara estaria nos treinando. Eu sei como isso soa estúpido agora, mas esse foi meu primeiro sentimento. Depois disso, nunca mais olhei para um treinador da mesma forma”, disse Costello em entrevista à The Athletic.

Jogos depois, uma vitória foi considerada “a virada de chave” no clube. Bielsa desafiou seu irmão mais velho, Rafael Antonio: se o Newell’s conseguisse marcar cinco gols na rodada seguinte, cortaria um dos dedos. A partida era contra o Rosario Central, grande rival da equipe.

Acabou que partida terminou em 4 a 3 para o Newell’s e Bielsa pôde continuar com seus dedos. A história conta que neste jogo o treinador deu os primeiros grandes sinais do que pensava sobre futebol: colocou o Rosario no campo de defesa, anulava os armadores do time adversário e acelerou o jogo. Os três gols do Rosario saíram de bola parada, nada que apagasse uma atuação impressionante.

Ainda precisando lidar com tropeços, uma sequência de vitória contra Deportivo Español, Lanús, Racing, Deportivo Mandiyú, Boca Juniors e Estudiantes de La Plata entregou a liderança do torneio para o Newell’s. Na rodada decisiva, um empate em 1 a 1 entregou o título ao enlouquecido Marcelo Bielsa que deixou o Estádio Arquitecto Ricardo Etcheverri para aguardar os minutos final da derrota do River por 2 a 1.

“Sofremos. Mas parece que o Newell’s não seria Newell’s se não sofresse. Fui caminhar por fora do estádio como uma espécie de fetichismo que precisava. Quando escutei o grito da gente, senti a maior alegria da minha vida. É que faz vinte e cinco anos que estou no Newell’s e adoro este clube. Alguém às vezes se pergunta por que o jogo é tão desgastante, por que exige tanto. E a resposta, temos em vista: porque dá tudo isso (em troca). Tomara que eu tenha energia para seguir festejando”, disse Bielsa, ainda nas ruas.

Em contato ao DIÁRIO DO PEIXE, o jornalista argentino Mauricio Filocco contou que a idolatria por Marcelo Bielsa é grande por essa razão: pegou o time em baixa, com um elenco recheado de jovens e com pouca expectativa de futuro.

“Por ser do clube, vindo de baixo e pela paixão e fanatismo que transmitia, com gente do clube. Além disso, junto com o maestro Griffa, foi com os meninos da base como Pocchettino. Eles revolucionaram o nosso futebol”, disse Mauricio Filocco.

Foto de quando Marcelo Bielsa recebeu homenagens e o estádio passou a ter seu nome (Crédito: Hector Rio)

Correr sem a bola? Que loucura!

A histórias na Argentina da forma com que Bielsa trabalhava sempre são relembradas. Bielsa pedia para os jogadores passarem a bola com as mãos e partissem para o posicionamento como se fosse uma partida de futebol normal. Fabian Costello explicou que isso era para treinar o cérebro.

“Ele fazia essa coisa em que um jogador tinha e alguns de nós tinham que correr em direções diferentes repetidas vezes, sem nunca tocá-lo. Estava tão quente e depois de 15 ou 20 vezes, você está suando e cansado. Aí eu falei: ‘Marcelo, por que eu tenho que fazer isso?’ E ele me disse: ‘Porque você correr assim causa uma distração para o outro time. O movimento é importante e faz-nos jogar melhor”, disse Fabian Costello à The Athletic.

“Você olha agora e vê movimento em todos os grandes times, incluindo o dele. Como eu disse, esta era a nova escola. Ele quebrou as regras dentro de nossas cabeças. Ele quebrou tudo e as aulas ficaram como discos em sua mente para sempre. Corremos como leões em campo, muito mais do que o time A ou o time B. Ele garantiu isso. E nós vencemos”, completa.

Costello contou que durante uma viagem de Marcelo Bielsa e sua esposa para Argentina, entrou com o treinador e perguntou se ele o reconhecia. Bielsa afirmou positivamente com a cabeça e tirou um caderninho com nome de todos os jogadores de base com quem trabalhou. Seu nome estava lá.

Marcelo Bielsa e Fabian Costello em encontro anos depois (Crédito: Newells_En)

Estádio Marcelo Bielsa

A paixão por Bielsa é tão grande que em 2009 o estádio foi batizado com seu nome. Antes era conhecido como Estádio Newell’s Old Boys e popularmente como El Coloso del Parque. Agora, é conhecido como Estádio Marcelo Bielsa. Cabe destaque que há uma expectativa de retorno para encerrar esse ciclo, mas talvez não como treinador.

“Há anos que se espera por isso, não queria que o estádio levasse o seu nome e quando foi batizado foi dito que não voltaria. É difícil neste momento para ele voltar como técnico, mas talvez como executivo de futebol”, conta Filocco.

A equipe de Rosário teve dois dos maiores jogadores da história do futebol argentino: Diego Maradona e Lionel Messi. O primeiro passou pela equipe em 1993 e 1994. Mesmo sem título, Maradona se tornou uma religião na cidade e quando retornou a equipe como adversário, foi recebido com um trono de rei. Já Messi tem sua história ligado às categorias de base.

“Bielsa melhorou o clube. Maradona é amado, mas jogou pouco aqui. Messi, se viesse jogar, seria um ídolo igual ou superior a Bielsa por ser do clube”, completa o jornalista Mauricio Filocco.

Acabou que Marcelo Bielsa conseguiu apenas dois títulos pelo Newell’s: os Campeonatos Argentinos de 1991 e 1992. Pelo clube ainda disputou a final da Copa Libertadores da América de 1992, título em que perdeu para o São Paulo de Telê Santana. Nada que apagasse uma história marcada por um louco amor.

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