Eduardo Bauermann está sendo investigado pelo Ministério Público (Crédito: Raul Baretta/SantosFC)

O Santos ganhou os noticiários nos últimos dias ponta de um fato extracampo, pelo menos na teoria. O zagueiro Eduardo Bauermann está sendo investigado na Operação Penalidade Máxima II uma possível participação em um esquema de manipulação de resultados. Segundo o MP, o jogador aceitou ao menos R$ 50 mil para receber cartão amarelo na partida contra o Avaí e, posteriormente, cartão vermelho contra o Botafogo.

Inicialmente, o defensor negou qualquer tipo de envolvimento e seguiu atuando normalmente. Após o jogo contra o Audax Italiano, o zagueiro repetiu o discurso. Em nota divulgada no dia 19 de abril, o Santos defendeu o atleta e chegou a dizer que “confiava plenamente em seus atletas” e decidiu manter Bauermann normalmente em jogos e treinos.

Nas redes sociais, uma discussão foi levantada: a melhor decisão seria o afastamento desde o início da investigação, ou isso poderia causar processos ao clube. Em contato ao DIÁRIO DO PEIXE, Gustavo Rodrigues Véras, advogado e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB Butantã, explicou o que poderia acontecer.

“Considerando a repercussão do caso, se o clube optasse por afastar o atleta anteriormente, e ele sentisse sua honra ferida, ele poderia pedir a rescisão indireta, que na Consolidação das Leis Trabalhistas se encontra no artigo 483, item e), onde se diz ‘O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama’. Caso houvesse a rescisão indireta, haveria o rompimento do vínculo com o jogador e o clube deveria arcar com todos os seus vencimentos. Com a divulgação dos diálogos, a situação mudou e uma demissão por justa causa torna-se justificável”, disse o Dr. Gustavo.

Com novas informações do caso, o clube mudou completamente de postura. Em reunião realizada na manhã desta terça-feira (9), no CT Rei Pelé, o Santos pediu explicações ao defensor. Bauermann passou a maior parte do tempo de cabeça baixa. A decisão foi o afastamento imediato. Dr. Gustavo Rodrigues Véras afirma que, com essas evidencias, já é possível uma justa causa.

É justificável, a meu ver, a demissão do zagueiro por justa causa. A CLT aponta como justa causa a incontinência de conduta, o que no caso de um atleta de futebol, é possível enquadrar ao envolvimento neste nível em um caso de manipulação de resultados. Além disso o artigo 35 da ‘Lei Pelé’ aponta como dever do atleta profissional ‘exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas'”, completa Gustavo Rodrigues.

Bauermann teria aceitado ao menos R$ 50 mil para receber cartão amarelo na partida contra o Avaí e, posteriormente, cartão vermelho contra o Botafogo de acordo com o Ministério Público. No duelo contra os cariocas, ele recebeu o vermelho após a partida e em alguns sites de apostas a regra não vale após o apito.

Aos 27 anos, Bauermann chegou ao Santos no começo da temporada de 2022, vindo do América-MG. Ao todo são 77 jogos e cinco gols. Desde as acusação, o camisa 4 disputou cinco jogos desde a divulgação das investigações e fez um gol na vitória do Peixe por 3 a 2 diante do América-MG.

Confira a conversa completa com o advogado Gustavo Rodrigues Véras:

DIÁRIO: Havia um receio do afastamento do zagueiro Eduardo Bauermann no Santos antes dos vazamentos das conversas entre ele e quem o ofereceu a proposta. O Peixe decidiu afastar somente após isso. Você acredita que isso aconteceu por medo do Santos na parte jurídica? O atleta poderia fazer algo “contra” o clube caso fosse afastado ainda sob suspeita?

Dr. Gustavo Rodrigues: Sem a presença dos diálogos divulgados pela revista “Veja”, pouco se sabia do tamanho do suposto envolvimento do atleta no caso. O Jurídico do Santos adotou a postura de aguardar o desenrolar das investigações para entender seu real envolvimento.

Considerando a repercussão do caso, se o clube optasse por afastar o atleta anteriormente, e ele sentisse sua honra ferida, ele poderia pedir a rescisão indireta, que na Consolidação das Leis Trabalhistas se encontra no artigo 483, item e), onde se diz “O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama.”. Caso houvesse a rescisão indireta, haveria o rompimento do vínculo com o jogador e o clube deveria arcar com todos os seus vencimentos. Com a divulgação dos diálogos, a situação mudou e uma demissão por justa causa torna-se justificável.

DIÁRIO: Então o clube pode demiti-lo por justa causa?

Dr. Gustavo Rodrigues: “É justificável, a meu ver, a demissão do zagueiro por justa causa. A CLT aponta como justa causa a incontinência de conduta, o que no caso de um atleta de futebol, é possível enquadrar ao envolvimento neste nível em um caso de manipulação de resultados. Além disso o artigo 35 da ‘Lei Pelé’ aponta como dever do atleta profissional ‘exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas’. O clube, porém, pode adotar cautela na decisão da demissão por justa causa para evitar um problema na justiça do trabalho mais adiante, porém com a natureza das conversas vazadas hoje, entendo serem pequenas as chances. Vale destacar que em 2020 o Internacional de porto alegre demitiu por justa causa dois atletas do Sub-20 após o vazamento de um vídeo onde um deles assumiu ter dopado uma garota enquanto o outro gravava”.

DIÁRIO: Na parte desportivo e criminal, o que a lei fala sobre possíveis punições para jogadores que praticaram este tipo de crime? Existe a possibilidade de ser punido nas duas circunstâncias?

Dr. Gustavo Rodrigues: “No âmbito desportivo o atleta Bauermann pode ser enquadrado nos artigos 243 e  243-A do Código Brasileiro de Direito Desportivo, que falam sobre a atuação deliberada para prejudicar a própria equipe e a atuação contrária à ética desportiva com o fim de influenciar o resultado da partida. Caso a justiça desportiva entenda que o zagueiro se enquadra em algum destes artigos, ele pode ser multado em até 100 mil reais e ser suspenso por até 360 dias. Como não se trata de reincidência, não acredito que seja caso de exclusão dos campeonatos ou de banimento do esporte. O próprio Santos teve um caso recente envolvendo o treinador de goleiros do time feminino que teria oferecido algo entre 5 e 10 mil reais para que a goleira do Red Bull Bragantino sofresse 5 gols. O STJD entendeu pela aplicação do artigo 242, que diz respeito ao agente que oferece a vantagem indevida, e o condenou a multa de R$ 20.000 e o suspendeu por 180 dias. Acredito que este precedente, por ser recente, possa indicar qual será a postura da justiça desportiva neste caso. No âmbito criminal a situação é bem mais delicada, o Ministério Público do Estado de Goiás deflagrou a ‘Operação Penalidade Máxima II’, que deu origem às investigações envolvendo Eduardo Bauermann. O próprio MP-GO apontou que os possíveis crimes investigados são o de organização criminosa, lavagem de dinheiro e fraude de resultado de competição esportiva. A partir dos diálogos revelados nesta manhã, é possível observar indícios que ao fim as investigações podem apontar para a participação de Eduardo Bauermann em dois crimes, o de organização criminosa, a partir do artigo 2º da ‘Lei das Organizações Criminosas’, e de fraude em resultado de competição esportiva. Quando os diálogos indicam que houve o aceite da proposta para a prática da fraude na partida, é possível enquadrar o ato do atleta no artigo 41-C do ‘Estatuto do Torcedor’, que prevê pena de 2 a 6 anos e multa a quem “Solicitar ou aceitar, promessa de vantagem patrimonial para qualquer ato ou omissão destinada a falsear o resultado de competição desportiva. Não há óbice (objeção) para a punição nas duas esferas”.

DIÁRIO: Outro motivo sobre justa causa… nas conversas em que vazaram, Bauermann diz que ia oferecer o mesmo para outros jogadores. Isso também cabe justa causa, mesmo que ninguém tenha aceitado?

Dr. Gustavo Rodrigues: “Se durante as investigações do Ministério Público de Goiás houver divulgação de envolvimento de algum outro atleta do Santos, com a mesma gravidade das conversas envolvendo o zagueiro Eduardo Bauermann, entendo haver justa causa. Se, pelo contrário, for comprovado que estes atletas foram procurados e recusaram, não há que se falar em justa causa. Outra hipótese de justa causa prevista na legislação trabalhista é a condenação criminal transitada em julgado. Se ao final da Operação Penalidade Máxima II, houver processo criminal com condenação de outros atletas, haverá justa causa”.

DIÁRIO: Em relação ao Santos, quanto o clube está protegido por essa situação na lei? E como pode se proteger ainda mais. Eu digo em relação de multa, perda de pontos e etc.

Dr. Gustavo Rodrigues: “A legislação esportiva, neste caso, separa as condutas de atletas das condutas dos clubes. Conforme respondido sobre a punição desportiva do atleta, ele também pode responder por prejudicar o clube pelo qual atua, ou seja, há o reconhecimento de que o Clube é vítima da ação ilícita do atleta. No caso do treinador de goleiros do time feminino, o presidente do Santos, assim que ficou sabendo, denunciou o caso e auxiliou com as investigações. Nesta situação por haver, inclusive, a fala do jogador investigado sobre possível envolvimento de outros atletas, entendo ser importante que o Santos realize uma investigação interna para evitar futuros prejuízos. Mas com o que se tem até o momento, entendo não haver risco para o Santos”.

DIÁRIO: Quais as perspectivas para o jogador, caso, além do indiciamento, seja aberto processo e ele tenha de responder a eventual acusação do MP?

Dr. Gustavo Rodrigues: “Com aquilo que foi divulgado sobre a Operação Penalidade Máxima II, há a possibilidade de que o atleta seja indiciado pelos crimes de participação em organização criminosa e de recebimento de valor para falsear resultado esportivo”.

DIÁRIO: O agente Luiz Taveira aparece envolvido em conversas. O clube pode eventualmente entrar com demanda judicial contra ele, caso se prove a sua participação?

Dr. Gustavo Rodrigues: “Se comprovada a participação do agente, é possível sim que o clube peça reparação por danos à imagem da instituição. Em casos como este, de grande repercussão, cabe buscar a justiça quando se entende haver uma repercussão negativa, que possa prejudicar as atividades do clube. Neste caso, porém, o jurídico do clube deve avaliar se é viável o desgaste de uma demanda envolvendo caso tão delicado e se o retorno possível é compatível com este desgaste”.

DIÁRIO: As conversas vazadas mostram Bauermann afirmando que chamaria “dois jogadores” para tentar participar dessas apostas. Caso o atleta tenha recebido, ele tem ‘obrigação’ de comunicar o clube? Mesmo recusando, se ele não comunicou, pode ocorrer alguma punição?

Dr. Gustavo Rodrigues: “Nenhum cidadão é obrigado a denunciar um crime. Apesar de não ser uma previsão expressa da lei, aquele que souber de um crime pode ter motivos para não apresentar denuncia. Em muitos casos a pessoa tem medo de denunciar e não pode ser punida por isso, a lei sempre pontua que a denúncia de um crime é um direito do cidadão, mas não os obriga, salvo em casos como omissão de socorro, ou quando se trata de agente público. Como as exceções não atingem os atletas do Santos supostamente convidados a participar o esquema, não há que se falar em punição se não houve efetiva participação”.

DIÁRIO: E em relação ao zagueiro Eduardo Bauermann tentar levar outros atletas, isso pode “piorar” sua situação em relação a parte desportiva?

Dr. Gustavo Rodrigues: “A tentativa de envolver outros atletas pode ser um agravante no crime de organização criminosa, pois pode indicar uma posição de liderança do suposto grupo, o que recai no parágrafo 3° do artigo 2° da Lei das Organizações Criminosas”.

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