Santos fez a maior venda das Américas e, um ano depois, segue sem dinheiro (Crédito: Divulgação)

O Santos vendeu Robinho, Neymar, Gabigol, Rodrygo, entre outros, e está sempre em péssima situação financeira. Os torcedores sempre se perguntam onde foi parar o dinheiro.  A explicação é simples e menos fantasiosa do que os santistas imaginam: foram gastos pagando dívidas, jogadores e funcionários.

Por que isso acontece?

Porque o Santos é um clube que não se sustenta pela forma como é administrado. Administrado não só pelo presidente atual, José Carlos Peres, mas por todos os últimos.

A imagem acima eu consegui em uma palestra do Ferran Soriano, CEO do City Group e autor do livro “A Bola não entra por acaso”. Os números são da temporada 2005/2006 e, é claro, estão desatualizados, mas o importante com eles é mostrar um padrão.

As receitas ordinárias são divididas em três pilares: Marketing, Direitos de TV e Matchday (bilheterias e outras receitas em dias de jogos). Na Espanha e na Inglaterra, os três pilares tem índices próximos. Na Itália, os grandes tinham uma grande dependência da TV (o país tinha uma grande semelhança com o Brasil, com a tradição de grandes estádios públicos). Após a inauguração do novo estádio da Juventus, o time conseguiu dar uma equilibrada nos três pilares e, não por acaso, se descolou dos rivais na disputa por títulos.

O orçamento final do Santos previsto para 2020 tem, como receitas ordinárias, uma proporção mais dependente da TV do que no modelo italiano. Sem contar as receitas extraordinárias (como venda de atletas), o Santos projetou uma arrecadação de R$ 180 milhões. Desse total, R$ 123 milhões (68% aproximadamente) são cotas de TV. São R$ 20 milhões projetados em patrocínio (cerca de 12%) e R$ 25 milhões de Matchday – somando bilheteria com sócios – (13,8%). O Santos ainda colocou R$ 12 milhões como outras receitas, sem especificação.

Esse é o maior problema do Santos e a responsabilidade é da administração (das administrações). O clube não consegue gerar receitas com marketing, com bilheteria, com sócios. Nos dois jogos como mandante no Paulistão, o Peixe lucrou, somados, R$ 432 mil. O Corinthians lucrou R$ 2,4 milhões (sim, ainda não vai para o clube, mas uma hora vai bater na conta). A renda de Resende x Flamengo nesta segunda foi R$ 1,7 milhão.

O Santos não consegue limpar o cadastro de sócios. Até o final do ano passado, dos 25 mil sócios adimplentes, cerca de 20% tinha problema de cadastro. A cada três anos, por causa das eleições, o clube precisa contratar uma auditoria externa para analisar a base de sócios do clube. O Bahia, um clube com uma administração modelo, projetou no orçamento para 2020 uma receita de R$ 28 milhões com sócios, quase três vezes o valor projetado pelo Santos.

No “marketing”, com licenciamento de produtos, o Bahia projetou R$ 10 milhões de receitas em 2020. O Santos passou o segundo semestre de 2019 com as lojas abertas, mas quase sem produto. Em dezembro, início da alta temporada, a loja da Vila Belmiro foi fechada e ainda não abriu ao público. Sim, Santos é uma cidade praiana.

O Santos começa o segundo ano seguinte sem o principal espaço de patrocínio. Há quatro meses estava “na cara do gol”, mas a bola ainda não entrou (lembram do nome do livro do Ferran Soriano citado no início do texto?). Muitas vezes me parece que a diretoria do Santos não sabe o valor que o clube tem. Semana passada o presidente e o técnico foram a um evento de um patrocinador que vai emprestar dois carros para a comissão técnica e alugar outros dois. Me senti em 1984, quando o Peixe foi patrocinado pela Guarujá Veículos.

Então, fica claro que o Santos praticamente não tem receita de marketing, de bilheteria, de lojas, de sócios…

Se você não tem receita, o que um bom administrador deveria fazer? Reduzir as despesas, certo?

Segundo o balanço do primeiro semestre de 2019, publicado no portal da Transparência no site oficial do Santos, o clube gastou R$ 145,9 milhões com folha de pagamento em 2017, R$ 140 milhões em 2018 e a projeção era de R$ 152 milhões de gastos em 2019 (o relatório final ainda não saiu). Entre funcionários PF (CLT) e PJ (terceiros), o Santos segue com quase 800 funcionários.

Quando você questiona alguém da diretoria sobre o assunto, as respostas são explicações sobre a dificuldade de conseguir fazer as coisas saírem do papel no clube ou uma acusação contra as gestões anteriores. O presidente José Carlos Peres já está entrando no terceiro ano de mandato. As gestões anteriores não podem ser culpadas por nada do que foi exposto acima (falta de receita e despesas altas).

As gestões anteriores passam a ser responsáveis por pontos que vamos debater agora. Juros sobre os empréstimos, dívidas trabalhistas, negociação de atletas não pagas custam ao Santos grande parte da receita conseguida. E a dívida continua na casa dos R$ 400 milhões. Por isso, até um estudo da Câmara dos Deputados no ano passado classificou a dívida do Santos como impagável.

Como você vai pagar dívida se você não consegue gerar receita? Se as vendas que você faz nem podem mais serem consideradas receitas extraordinárias. O clube depende delas para fechar o caixa.

A conta nunca fecha. Aí você vende Robinho, Neymar e Gabigol e o dinheiro acaba em meses.

O caso Rodrygo é um pouco diferente, mais próximo da realidade do que acontece com os principais clubes do mundo. O Santos usou grande parte de uma receita extraordinária para fazer investimentos em atletas. Foram (ou não) gastos com aquisições de jogadores cerca de R$ 74 milhões dos pouco mais de R$ 180 milhões da negociação.

O “ou não” se deve ao fato de o clube ainda não ter pago o Cueva e, ao que parece, não ter pago o Soteldo.

Enquanto o Santos não tiver um presidente que acabe com o cabide de emprego, encontre uma solução para aumentar as receitas de bilheteria, crie um programa de sócios que funcione, aproveite de fato (e não apenas no discurso) o valor internacional da marca (grande parte da receita dos maiores clubes do mundo são oriundas de fora do seu país de origem), o Peixe vai viver de desculpas ou de apontar um culpado de outra época.

O CEO de uma empresa em que trabalhei, que atualmente é o CEO Américas de uma das maiores marcas do mundo, tinha uma frase muito bacana sobre situações como essa.

“É melhor bem feito do que muito bem explicado”.

Só nos resta torcer para aparecer alguém capaz de acordar o gigante adormecido. Como o Peres disse na entrevista ao Grande Círculo, do SporTV, até ele está torcendo para aparecer alguém assim.