Por Sole Jaimes, especial para o DIÁRIO DO PEIXE
“Eu perdi o meu pai quando era bebê e minha mãe teve de fazer sacrifícios para cuidar de mim e dos meus irmãos. Éramos em sete. Nunca tive um brinquedo quando era criança, e também nunca pedi. Sabia que minha mãe iria se sentir mal se eu pedisse e ela não pudesse me dar. Sempre fui uma pessoa muito consciente com isso.
Comecei a jogar futebol com homens, descalça. Não podia jogar de tênis porque, se ele rasgasse, minha mãe me mataria e acabaria o futebol. Minha primeira chuteira eu só ganhei do meu irmão quando fui fazer meu primeiro teste no Boca Juniors.
Ainda menina, eu assistia aos jogos da Marta na tevê quando tinha torneios importantes e pensava: “Será que algum dia eu vou conseguir?”. Era um sonho, mas estava muito longe da minha realidade. Eu via os campos lindos na tevê, mas jogava em campos de terra na minha cidade, Entre Ríos, um município do interior da Argentina que não tem nem McDonald’s. Eu pensava, mas não acreditava que iria conseguir.
Aos 14 anos, estava jogando um torneio e uma pessoa, Toffoli Puchula, me perguntou se eu gostaria de fazer um teste no River Plate, em Buenos Aires. Quando você é do interior e precisa ir até a capital, é dinheiro, e minha mãe não tinha como conseguir. Falei que eu tinha interesse, fui à prefeitura e eles me deram as passagens para Buenos Aires.
Cheguei ao River Plate e me falaram que não estavam fazendo testes. Eu fiquei muito triste. Viajei nove horas para nada. Fui para a casa de um irmão por parte de pai, José, e ele me disse que ligaria no Boca Juniors e que eu faria um teste de qualquer jeito. Ele ligou para todos os lados no Boca e conseguiu um teste. Fui fazer a avaliação em uma semana e fiquei. Não tinha técnica, não sabia as posições direito, não tinha nada, mas eu corria para todos os lados.
Ali começou o meu sonho.
No começo eu não jogava muito no Boca, mas tinha muitas convocações para a seleção sub-20. Eu treinava, treinava, mas quando chegavam as competições, como o Sul-Americano, eu não era convocada. Era bem frustrante. Tinha de sair cedo de casa, pegar três conduções, voltava às 11 da noite, mas não estava no Sul-Americano.
Na seleção sub-20 eu ganhava 300 pesos por três dias de treinos por semana. Me servia para comer lanches e voltar na semana seguinte. Nunca comia o que eu realmente precisava. Mas com esse dinheiro eu já não precisava mais da ajuda dos meus irmãos.
Como eu não jogava muito no Boca, aceitei um convite para ir para o River. Foi uma transferência bem difícil porque, mesmo sendo amadora e sem receber, tive dificuldades para conseguir a liberação.
No River, meu treinador foi Diego Guacci, e ele foi fundamental na minha vida. Ele mudou minha cabeça, me ajudou muito dentro e fora de campo. Se eu não tinha dinheiro, ele tirava do bolso dele e me dava. Foi uma pessoa que marcou minha vida como técnico e como pessoa, como um pai. Ele conseguia tirar o melhor de mim. Fomos campeões e ele foi mandado embora. Aí eu voltei para o Boca.
Depois do Boca, fui para o Foz, no Brasil. Quando chegou a proposta, eu sabia que tinha de aceitar. O futebol feminino na Argentina não é tão forte. Em Foz eu me sentia bem, é uma cidade parecida com Entre Ríos, mas no começo foi muito difícil. Eu não entendia nada, não conseguia me comunicar e fazia muito calor. O preparador físico do time tinha passado pelo Exército e os treinos eram muito pesados. Para começar, tínhamos de dar sete voltas na pista de atletismo. Eu sentia muito, cheguei a vomitar nos primeiros treinos.
Cheguei a pensar que não aguentaria, fisicamente eu não conseguia, mas sempre pensei na minha família. Ela era meu combustível e não tinha como desistir.
Depois fui para o São Paulo, que tinha feito uma parceria e alugado um centro de treinamento em Barueri que era incrível, mas no primeiro mês o patrocinador vazou, abandonou todo mundo. Então o grupo foi tão bom e tão unido que isso não nos afetou no começo. Morávamos em um lugar tão lindo, tínhamos comida, não precisávamos de nada. Falamos: ‘Vamos seguir em frente’. Foram sete meses muito difíceis, e só tínhamos o que comer.
Hoje eu me sinto muito feliz no Santos, mas ainda não cheguei aonde eu quero. Eu sou uma pessoa que nunca desiste e meu sonho ainda não foi realizado. Meu desejo é comprar uma casa para a minha mãe e tenho certeza de que eu vou conseguir.
O Santos tem uma ótima estrutura, mas ainda é difícil conseguir atingir isso no futebol brasileiro. Por isso eu tenho o desejo de jogar na Europa.
E não é só a questão do dinheiro. Se conseguir comprar uma casa para a minha mãe, eu certamente terei conseguido uma boa transferência, estarei em um time muito bom, vou crescer como pessoa, como jogadora, com a cultura. Eu sempre quero aprender, minha vida toda sempre foi de aprendizagem.
Desde o dia em que saí de casa passei por muita dificuldade, mas sempre fui muito feliz. Acredito que na dificuldade você aprende. Talvez se não tivesse passado por essas dificuldades eu não teria chegado aonde estou hoje.
Por isso, se eu pudesse escolher como viver a minha infância, eu teria escolhido passar por tudo isso de novo.”
Veja o gol de Sole contra o Corinthians na final do Brasileiro:
Pena que essas querreiras não são reconhecidas como deveria ser Gastão milhões com os marmanjos enquanto elas jogam por amor vejo que viver só do futebol feminino ainda é um sonho distante