Billy Beane mudou o jogo na MLB. Que tal o Santos mudar o futebol? (Crédito: Divulgação)

Em novembro de 2019, escrevi nesse espaço que o Santos deveria adotar o Moneyball (leia aqui). Para quem ainda não sabe, o conceito (sabermetrics) nasceu com o gerente geral do Oakland Athletics, Billy Beane. Dono de um dos menores orçamentos da MLB (liga profissional de beisebol dos Estados Unidos), ele passou a adotar as estatísticas como principal critério para a contratação de atletas e chegou aos playoffs.

A história virou livro e o livro virou filme. Mais do que isso, o conceito se espalhou por todos os esportes americanos e chegou ao Boston Red Sox, que conquistou o título da MLB após 86 anos de jejum usando o Moneyball. O Red Sox pertence ao Fenway Sports Group, do bilionário John Henry, que também é proprietário do Liverpool, de Klopp. E o Liverpool conquistou a Liga dos Campeões e o Mundial de Clubes deste ano com um elenco e um modelo de jogo construídos com os conceitos do Moneyball (veja mais aqui nessa matéria).

Quando digo que o Santos deveria adotar o Moneyball, nem falo somente do uso das estatísticas para as tomadas de decisão. O filme tem algumas cenas clássicas e, em uma delas, Billy Beane diz o seguinte para os scouts, em uma das reuniões para a montagem do elenco.

“Se a gente tentar jogar (pensar) como os Yankees aqui, nós vamos perder para os Yankees no campo. Sabem o que acontece com o último cachorro a comer? Ele morre”.

O Santos não pode pensar como Flamengo, Corinthians e Palmeiras, pelo menos não agora. A diferença de faturamento entre as equipes lembra a que existia entre Oakland A’s e NY Yankees no Moneyball. Se o Peixe adotar as mesmas táticas dos outros, vai morrer de fome.

O uso das estatísticas para a montagem do elenco foi uma abordagem diferente usada por Billy Beane para tentar competir com os times mais ricos.

O Santos sempre teve esse diferencial e ele ficou provado mais uma vez nesta temporada: o uso da base. Mas o uso da base não pode acontecer pelo desespero financeiro ou pelo transferban.

A base não pode “salvar” o Santos, ela precisa ser o diferencial competitivo do clube.

As estatísticas mostram que são 14 ou 15 jogadores que atuam em mais de 50% dos jogos de todos (TODOS) os clube. O Flamengo foi campeão de tudo em 2019 com mais ou menos esse número de atletas jogando todas as partidas e os moleques da base completando o elenco. Em 2020, foi buscar muitos reforços e a engrenagem não funcionou.

Um clube com menos dinheiro que os rivais, como o Santos, não pode pagar altos salários para mais de 20 atletas e fazer diversas contratações para a formação do elenco. Tem de investir em quem, na teoria, vai jogar mais de 50% dos jogos. Para completar, apostas e base.

Aí entra a necessidade de ter um processo bem definido, com apoio de scouts, de informações e não apenas o feeling das indicações de técnico. Para encontrar as apostas, que podem ser jogadores jovens de times menores e ainda não provados em um grande clube (prefiro assim) ou jogadores mais veteranos, que tiveram o auge e buscam reencontrar um bom futebol (e por isso estão mais baratos).

E você precisa de um processo de reavaliação constante. No Barcelona, dividiram os jogadores em três categorias (A, B e C, para exemplificar). Os As seriam os jogadores em campo por mais de 50% dos jogos, os Bs as apostas e os Cs os jogadores das categorias de base.

Após cada ano, você tinha critérios para avaliar a situação de cada jogador. Os As jogaram mais de 50% dos jogos para continuarem no clube ou perderam espaço e você precisa negociá-los por causa do salário mais alto? As apostas da faixa B deram certo? Elas passam para a faixa A? Você ainda acredita que precisam de mais tempo para dar uma resposta? Ou a aposta deu errado e você precisa se desfazer do jogador?

E os atletas da base? Viraram titulares absolutos? Passaram ao menos para a condição de aposta? Eles precisam sempre avançar no elenco para que se abra espaço para outros jogadores da base. Se eles ainda não conseguiram, você ainda tem a opção de emprestá-los para ganharem experiência e voltarem como apostas mais para frente.

Com esse processo, você tem a cada ano mais jogadores revelados pelo clube no elenco. De uma forma natural e pensada, não aleatória. E assim, com muitos jogadores formados nas divisões inferiores no profissional (com salários menores e sem investimento nas contratações), você começa a ter um clube mais sustentável. Vvocê pode até ter mais dinheiro para, eventualmente, fazer uma grande contratação.

O que é preciso para algo assim sair do papel? Coragem.

No Moneyball, Billy Beane e John Henry tem uma conversa épica. O bilionário dá uma grande lição para a vida.

“O primeiro a tentar derrubar o muro sempre sai ensanquentado porque ameaça a forma como as pessoas fazem os negócios, ameaça os empregos deles e eles vão fazer de tudo para expulsá-lo”.

Talvez seja o momento de o Santos ter essa coragem.