Luiza Garutti, Juliane Fechio e Renato Santoro (Crédito: Reprodução)

Nesta segunda-feira (10) é lembrado o Dia Mundial da Saúde Mental. Na véspera da data, o DIÁRIO apresenta o trabalho de Juliane Fechio, coordenadora do Departamento de Psicologia do Santos. A psicóloga explicou como funciona a área no clube e qual a relação dela com outros departamentos.

“A psicologia está vinculada ao Departamento de Saúde e, agora, nós temos o Núcleo de Saúde e Performance. É um Núcleo que envolve diversas áreas e a ideia é que a gente sempre possa dialogar entre as áreas, além de ser uma equipe multiprofissional é interdisciplinar. Nós somos três profissionais. Eu fico com a equipe principal masculina e sou a coordenadora do Departamento de Psicologia. O Renato é responsável pelas categorias de base e a Luiza é responsável pela equipe feminina”, explica.

Juliane revela qual o foco do trabalho realizado e como ele acontece no dia a dia. O trio de psicólogos fazem parte da Comissão Técnica das equipes também.

“O foco principal do nosso trabalho são os atletas e as comissões técnicas, o trabalho de atendimento e de assessoria à comissão técnica. Os funcionários do clube não temos como objetivo principal, mas sempre que precisa nós ajudamos pelo menos para fazer um primeiro atendimento ou encaminhar para um tratamento especializado quando necessário. Apesar de não ser o nosso objetivo, a gente está lá para ajudar sempre que necessário”, ressalta.

“Nós três somos full time, ou seja, trabalhamos no clube em tempo integral. Estamos presentes na rotina dos atletas e das comissões assistindo aos treinos, vamos aos jogos e participamos do dia a dia. Fazemos parte da comissão técnica assim como outros profissionais como fisioterapeutas, nutricionistas entre outros. A ideia é que o atleta seja recebido por um psicólogo quando ele chega ao clube na categoria inicial no Sub-11 e tenha esse acompanhamento ao longo de todo seu desenvolvimento até quando terminar a carreira ou sair do clube”, revela.

A equipe também organiza o departamento em um trabalho integrado com feedback sobre os atletas para debater os casos e ainda conta com o acompanhamento durante sua passagem no clube desde sua formação até a chegada no time principal.

“Quando a gente fala de trabalho integrado, o que a gente quer dizer, apesar do psicólogo da base estar no dia a dia de alguns atletas eu dou supervisão tanto para ele quanto para a psicóloga do feminino. Pelo menos a cada 15 dias nós sentamos e nos reunimos, conversamos e discutimos os casos. Quando os atletas chegam para mim lá no profissional, eu já conheço o trabalho que foi feito com ele e a gente dá continuidade. Porque para cada fase do desenvolvimento no futebol existem demandas bem específicas e é importante que a gente tenha um conhecimento do trabalho que foi feito nas categorias de base para dar continuidade quando o atleta chega no profissional. A ideia é que esses atletas tenham esse acompanhando independentemente de serem da equipe masculina ou feminina”, conta.

Ela também explicou ao DIÁRIO que o objetivo do Departamento de Psicologia no Santos é mais voltado para a prevenção e visando o bem-estar do atleta que é crucial para a saúde mental.

“Meu trabalho no Santos não é pontual e nem emergencial. É um trabalho que acontece ao longo de toda a temporada e o foco principal é desenvolver habilidades psicológicas importantes para a performance. Um trabalho muito mais preventivo em relação aos aspectos emocionais, de uma forma geral, mas especialmente focado no rendimento. Eu acredito em um trabalho que a gente não consegue separar o ser humano do ser atleta e apesar do foco ser no esporte, sempre que necessário eu acabo entrando na questão do aspecto extracampo como relacionamentos, família e um cuidado muito grande em relações à questões de saúde mental”, reforça.

“Meu objetivo lá em toda a temporada é fazer com que eles consigam atingir o máximo de desempenho possível, mas que eles possam ter bem-estar e qualidade de vida. Desta forma prevenir problemas de saúde mental porque o futebol é um ambiente que tem muitas adversidades e que eles convivem o tempo inteiro com muitos estímulos de estresse. O trabalho acontece de acordo com as demandas que surgem ao longo da temporada junto com as observações que eu faço e também resultado das avaliações psicológicas que são feitas durante todo o ano e o calendário de competições”, acrescenta.

A profissional também fala sobre a necessidade de um trabalho fora de uma sala fechada, mas no ambiente de trabalho em geral. Juliane explica que vai trabalhando conjuntamente com os atletas frequentemente, mas há casos em que eles também a procuram.

“Grande parte dos meus atendimentos acontecem não necessariamente dentro dessa sala fechada, tenho uma sala no CT, mas grande parte das conversas que eu tenho com eles individualmente e dentro de grupos acontece ali no pé do gramado, na academia, em situações que eles estão ali fazendo o trabalho deles. Fora isso, de tempo em tempo, vou chamando os atletas na sala para a gente conversar um pouquinho e eles tem a sala aberta para a hora que eles precisarem me procurar. Tanto eu chamo quanto eles me procuram, alguns casos nós trabalhamos intervenção. Por exemplo, eu observo que tem um jogador que precisa melhorar habilidade de autoconfiança, então a gente vai fazer um trabalho em sala fechada e específico para desenvolver e melhorar essa habilidade, normalmente esse atleta vai algumas semanas seguidas até a gente desenvolver esse trabalho e ver a melhora. Além disso, tem as intervenções em grupo por ser uma modalidade coletiva e também vai acontecendo de acordo com as demandas, os resultados, as queixas tanto do treinador quanto da comissão”, comenta.

O trabalho do Departamento de Psicologia tem um compromisso de sigilo e ética, mas a psicóloga ressalta que há um dialogo com outras áreas da saúde que se integram para cuidar do atleta de forma geral podendo auxiliar desde as nutricionistas ou até os médicos na prevenção de uma lesão, por exemplo.

“A psicologia tem um código de ética e nós temos o compromisso de sigilo. Os jogadores sabem que absolutamente tudo que nós conversamos, eu não posso passar nenhuma informação para a frente. Caso aconteça alguma coisa grave, que é importante que o treinador ou que alguém saiba, eu só posso comunicar com a autorização do atleta. Isso que eu tenho com eles, o que a gente pode fazer é o trabalho de assessoria e de alguma forma ajudar a comissão técnica com algumas observações que eu posso fazer, mas nunca romper o sigilo e o compromisso de confiança que eu tenho com os atletas”, afirma.

“Nós psicólogos ajudamos muito não só a comissão técnica como a gestão com o nosso trabalho sem romper nosso vínculo de confiança e sem romper o nosso sigilo. A gente pode participar muito do dialogo interdisciplinar, preservando o sigilo. Hoje no clube temos o núcleo de saúde e performance que envolve diversas áreas de atuação junto ao atleta porque com o passar do tempo o futebol foi ficando cada vez mais multiprofissional e semanalmente nós nos reunimos para discutir os casos, falar dos atletas que estão no Departamento Médico, falar sobre programação e calendário. Essas discussões são muito ricas porque sempre um vai contribuir com a área do outro. Como o atleta demanda um cuidado muito especial, é importante. A gente tem nutrição, preparação física, fisioterapia…a psicologia vai dialogar com todas essas áreas e a minha intervenção pode ajudar na adesão do atleta a um trabalho de prevenção, vai atuar ajudando o trabalho da nutricionista em relação a participação dele na adoção de uma dieta equilibrada. A gente cuida do atleta de forma integral e isso requer a contribuição de todas as áreas”, completa.

Por fim, Juliane ressaltou a importância da saúde mental no bate-papo com o DIÁRIO e ainda vê o Santos como referência em psicologia no profissional entre os clubes da elite do futebol brasileiro. A profissional avalia que a pressão e competitividade no meio esportivo impacta de forma direta na saúde mental.

“É um tema que eu julgo muito importante e que eu tento diariamente alertar os atletas tanto individualmente quanto em grupos sobre a importância de eles cuidarem da saúde mental. Para eles não esperarem perder a saúde mental para dar valor para isso. Existe ainda um estigma muito grande envolvendo questões de saúde mental, existe muita falta de informação da população em geral. Nós psicólogos viemos tentando diariamente vencer essas barreiras e recentemente eu fiz até uma palestra para os funcionários da Vila Belmiro e do CT Rei Pelé em relação a importância de cuidar da saúde mental, de buscar tratando quando é necessário e isso tem que ser feito diariamente e frequentemente. Falo muito para os atletas que não existe saúde sem saúde mental e é importante que a gente guarde isso porque infelizmente as pessoas só percebem isso quando perdem e é justamente o que a gente não quer que aconteça. O foco é preventivo.”, disse.

“Temos visto, cada vez mais, aumentar o número de atletas de diversas modalidades, principalmente de elite, que estão com sérios problemas de saúde mental e a gente tem visto atletas se aposentando e encerrando a carreira precocemente em função do desgaste emocional de estar envolvido em esporte de competição. Isso é justamente o que não queremos que aconteça, nós trabalhamos para que eles possam performar e crescer como atletas que tenham saúde mental, qualidade de vida e bem-estar, justamente para isso estou lá e tem a minha sala. Eu falo sempre que eles têm esse espaço justamente para dividir as angustias, aflições, preocupações e frustações para ter um espaço de escuta e aconselhamento. Principalmente, um espaço onde eles vão poder falar de qualquer assunto que não vão ser julgados e com a garantia de sigilo. Um trabalho que todos os clubes deveriam oferecer. Nós temos um trabalho na Série A que poucos clubes têm, com o psicólogo do esporte inserido nas comissões técnicas das equipes profissionais. Hoje temos psicólogos em quase todas as categorias de base dos clubes porque para conseguir o selo de clube formador precisam ter psicólogo do esporte e assistente social, mas no profissional ainda estamos caminhando lentamente para ter a presença desse profissional inserido nas comissões técnicas. É importante para questões relacionadas ao dia a dia, mas também para poder diagnosticar psicopatologias que na ausência de um psicólogo vão passar despercebidas. Muitas vezes vemos o atleta perdendo espaço na equipe e a questão não está no rendimento e sim nos problemas de saúde mental”, concluiu.