A relação do Santos com as mulheres (Crédito: Ivan Storti/Santos FC)

*Por Guilherme Lesnok e Laura Marcello

Dia 8 de março é o Dia Internacional da Mulher. É uma data que marca a necessidade de reforçar que devemos respeitar mulheres todos os dias, tanto em nosso trabalho, nas arquibancadas, dentro do futebol e na sociedade como um todo.

Por isso, o DIÁRIO DO PEIXE reuniu mulheres que estão presentes no dia a dia do Santos, inclusive quem trabalha dentro do clube. Além das que estão na cobertura do clube e as torcedoras. Como é o ambiente? O respeito é notório? E na imprensa, como as mulheres são tratadas? São pautas às quais devemos sempre estar atentos.

Bianca Ramos, estagiária de marketing no Santos:

“Eu atuo junto com homens no meu dia a dia e o Santos me proporciona um ambiente saudável de trabalho onde todos me respeitam e me dão liberdade para opinar e fazer o meu trabalho junto com eles. Gostaria que mais mulheres pudessem ter um lugar assim para poder exercer a sua profissão. Infelizmente, eu sei que não é a realidade de muitas.

A partir do momento que um clube do tamanho do Santos começa a ter alguém para cuidar exclusivamente do futebol feminino, a modalidade começa a crescer em termos de visibilidade. Como comunicadora, é um orgulho muito grande ser essa pessoa e ter a oportunidade de fazer o esporte das mulheres ter aquilo que eu sempre quis: atenção, cuidado, apoio, visibilidade e crescimento. O clube possui uma equipe muito qualificada no departamento de marketing e comunicação. Eles estão sempre dispostos a fazer mais pelo futebol feminino, o que também ajuda muito o meu trabalho.

Antes de começar o meu estágio no Santos Futebol Clube, eu já era setorista das Sereias da Vila há um certo tempo e isso facilitou muito a minha convivência com o elenco porque elas já sabiam quem eu era e já conheciam o meu trabalho. A minha profissão exige que eu esteja sempre com elas, logo, construímos desde o ano passado uma relação muito boa. O respeito é mútuo e eu fico feliz por elas gostarem do meu trabalho. Confesso que acabo sendo suspeita pra falar, mas trabalhar com elas é muito bom. Cada atleta tem uma história diferente, a maioria não tem a família por perto e lutou muito para estar no Santos. Acredito que o fato de sermos mulheres e entendermos o que passamos desde cedo para poder estar no meio do futebol é um ponto facilitador do meu trabalho e convivência com elas”.

Isabel Luchesi, coordenadora de Relações Públicas no Santos:

“Historicamente, a profissão de Relações Públicas tem mais mulheres do que homens, principalmente desde a década de 70, embora tenha crescido o número de RPs do gênero masculino nos últimos anos.

No Santos, sou a única mulher do departamento de Comunicação, e me sinto extremamente respeitada não só pelo meu chefe e pelo meus colegas de trabalho, como também pelos atletas e ex-atletas com os quais tenho contato direto devido a uma das minhas funções que é relacionamento com jogadores e ex-jogadores.

Felizmente, a representatividade feminina tem crescido cada vez mais no futebol, e no Santos, além de mim, tem outras mulheres em cargos de coordenação e supervisão, além de conselheiras mulheres, o que faz toda a diferença.

A representatividade feminina no futebol está cada vez maior, graças a movimentos como Bancada das Sereias, Elas nas 4 linhas, o departamento feminino da Torcida Jovem, As Sinistras que é o núcleo feminino da Sangue Jovem, e tantas outras influenciadores e criadoras de conteúdo santistas, que são mulheres que gostam de futebol, entendem e se engajam nas arquibancadas e fora dela”.

Elenco, comissão técnica e funcionários das Sereias da Vila (Crédito: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC)

Tatiele Silveira, técnica das Sereias da Vila:

“Fico muito feliz e orgulhosa de minha trajetória até aqui. Realmente, se manter em alto nível no esporte de alto rendimento requer muita dedicação, empenho e persistência. Sinto que é importante compartilhar minha história para encorajar outras profissionais a seguir batalhando por seu espaço e mostrar aos dirigentes do futebol que as mulheres também têm muita competência para liderar, comandar grandes projetos dentro do futebol e conquistar títulos de expressão para os clubes.

É isso que busco mostrar para quem acompanha minha história. Aliar preparação e realmente persistência, pois as oportunidades surgem, devemos estar preparadas para desenvolver nosso trabalho com excelência e aceitar esses desafios”.

Cristiane, atacante das Sereias da Vila:

“O dia da mulher representa para mim uma luta diária e constante que a gente tem em vários setores e áreas do nosso dia a dia. Desde a hora que a mulher acorda para ter que pegar um ônibus para trabalhar, pegar um metrô lotado. Acho que não era assim que eu gostaria de descrever, seria de outras formas, mas a gente sabe que acaba sendo uma luta por tudo que nós passamos. Eu dentro do meu esporte, outras mulheres no seu dia a dia e acho que a força que a gente tem. A gente tira força da onde não tem, eu via isso na minha mãe, hoje sendo mãe eu já faço isso muito pelo meu filho e o reconhecimento do que a gente faz diariamente deveria ser sempre lembrado. Um dia de muita luta, de algumas vitórias importantes e, infelizmente, de outras derrotas. Não é somente um dia que deveria existir de exaltação pela luta diária que a gente tem, que a mulher tem. É um dia de força para todas as mulheres”.

Laura Valverde, volante das Sereias da Vila:

“O ambiente me recebe muito bem, é muito positivo e favorável. Hoje no Departamento de trabalho como atleta do futebol feminino, na nossa comissão tem muitas mulheres trabalhando. Nossa técnica, nossa auxiliar técnica, preparadoras físicas, fisioterapeuta, na parte de rouparia e marketing e na área da gestão com a Xavi. Temos mulheres trabalhando conosco e isso é super legal, positivo. São mulheres competentes que nos influenciam, nos inspiram muito e deixam tudo mais leve e melhor para que a gente possa desempenhar um bom futebol dentro de campo. Além disso, os homens que trabalham com a gente nos deixam muito à vontade, confiantes e nos respeitam demais. Isso é no clube inteira seja área de segurança, cozinha, limpeza. Todo mundo nos respeita. Isso facilita o trabalho, as relações e nos deixa bem. Isso influencia no nosso desempenho de uma forma positiva, fico feliz da gente poder conseguir criar esse ambiente dentro do clube e me sentir respeitada. Acho extremamente importante”.

Bruninha, lateral das Sereias da Vila:

“Desde muito nova tive muitas responsabilidades de adultos. Com 12 anos já tive uma experiência difícil e desafiadora que foi sair de casa, ficar longe dos meus pais, foi algo muito doloroso porque logo na sequência teve o nascimento do meu irmão que era um dos meus maiores sonhos também e não pude estar perto dele, acompanhar o nascimento e nem fazer parte de um aniversário dele. Hoje ele tem 4 anos e não participei de nenhum aniversário por conta do meu trabalho, mas isso não me faz desistir e só me dá mais motivos para lutar e querer dar orgulho para ele e para os meus pais. É uma das experiências mais difíceis e logo após essa turbulência de sair de casa, ter meu irmão, também tive que buscar meu espaço dentro do futebol, no esporte, na minha profissão e precisei escolher entre ficar em uma cidade mais próxima da minha família, mas não ter tanto visibilidade, tanto reconhecimento ou sair para uma cidade maior para tentar buscar espaço, aparecer mais no futebol e poder me superar cada vez mais. Me dediquei, fui além de muita coisa: medo, inseguranças e incertezas. O futebol tem muito disso, você pode estar lá em cima e outra hora pode não aparecer tanto. Mas a dedicação superou tudo isso, a vontade de vencer, a garra, a força, o orgulho que eu quero dar para os meus pais foi maior do que qualquer medo que eu tinha. Me dediquei e dedico até hoje, a distância é ruim, algo que machuca, mas são escolhas e eu me sinto guerreira por conseguir vencer os obstáculos de uma forma independente”.

Aline Xavi, coordenadora das Sereias da Vila:

“Mostra o quanto o clube tem visto que nós mulheres somos capazes de ocupar grandes cargos, nos trabalhamos todos os dias em busca de conhecimento e crescimento para o melhor do Santos FC.
Eu vivi o futebol feminino sendo atleta e agora vivo o outro lado como gestora, vejo como uma forma mais facilitadora, consigo lidar melhor com algumas situações. Isso me traz mas segurança para enfrentar novos desafios”.

Mulheres na cobertura do Santos na imprensa e nas redes sociais (Crédito: Reprodução)

Nagila, torcedora e criadora de conteúdo do Santos:

“Tivemos um crescimento de mulheres na mídia esportiva, apresentando programas, realizando coberturas in loco nos estádios, como comentaristas e criadoras de conteúdo. Inclusive, criação de conteúdo de forma independente se tornou uma das principais formas de muitas mulheres ganharem visibilidade, principalmente no futebol. Porém, ainda existe o preconceito de que mulher não entende de futebol ou só deveria ter espaço na cobertura de modalidades femininas”.

Quando falamos de preconceito não é apenas aquele clichê “mulher não entende de futebol”, mas o preconceito onde a “fiscalização” em cima dos comentários e trabalho de uma mulher acontece. Por exemplo, vários comentaristas e profissionais muitas vezes falam alguma besteira ou não sabem de forma profunda sobre um assunto/clube.. mas se é uma mulher que comete algum deslize a proporção é maior.

Eu mesma, sempre quando vou criar algum conteúdo, até de forma inconsciente, eu penso que tenho que dar o meu melhor por dois motivos: primeiro que é o meu trabalho e meu público merece um conteúdo de qualidade, mas que fazendo um conteúdo rico em informações eu “evito” um hate que muitas vezes tem esse preconceito enrustido”.

Anita Efraim, jornalista e apresentadora do Café com Anita, no DIÁRIO:

“Acho que a presença das mulheres é cada dia maior, evoluímos bastante recentemente, tanto nos veículos maiores quanto nos meios alternativos – muitas vezes criados pelas próprias mulheres. Ainda assim, o caminho é longo. Não é raro a gente ver uma bancada cheia de homens e uma mulher, só pra dizer que tem. Além disso, enquanto mulher, eu não posso pensar só em mim, que sou uma mulher cheia de privilégios, tenho que pensar nas outras também. Nós nunca estaremos totalmente representadas nem seremos “livres” enquanto a presença de mulheres negras, por exemplo, não for garantida. Acho que, no geral, o cenário é bem melhor do que foi no passado, mas o caminho ainda é bastante longo.

Tem duas coisas que são muito difíceis. A primeira é que, para uma mulher se destacar nesse meio, ela precisa ser praticamente impecável, não errar em nada – o que não existe, porque todo mundo erra. Mesmo que o cenário seja melhor atualmente, o erro de uma mulher ao falar de futebol ainda pesa muito. E às vezes não é nem erro, é só uma opinião diferente. E a segunda, que está atrelada à primeira, são os ataques. Quando a gente fala de torcida, é comum que tenham esses ataques, mas com mulheres, ainda há uma desproporcionalidade forte – além de mexerem com o lado físico, a aparência algumas vezes. Essa violência, que acontece em especial nas redes sociais, pode mexer com o psicológico das pessoas, o que é muito prejudicial para alguém que está buscando espaço dentro de um mundo tão excludente”.

Bancada das Sereias é o movimento de mulheres que se unem para ir aos jogos do Santos (Crédito: Reprodução)

Kelly Santana, representante do Movimento Bancada das Sereias:

“O dia da mulher é sempre uma data que nos faz refletir e nos remete a muita coisa. Essa data frisa a importância da mulher na sociedade e a história da luta pelos seus direitos. Elas lutaram para que HOJE a nossa luta fosse menor, porque infelizmente ela ainda existe. O dia 8 de março é sobre ser livre sem medo algum e é por isso e para isso que acreditamos que juntas podemos ser, estar, viver da maneira que idealizamos.”