“Eu sempre sou muito perguntado sobre o Pelé, e a primeira lembrança que eu tenho dele foi quando chegou na Vila Belmiro. Eu estava cortando o cabelo com o Espanhol e o Didi, os barbeiros, e chegou o Waldemar de Brito. Eu já tinha uma fama, títulos, era conhecido. Então, ele me apresentou um tal de Pelé, que tomava um refrigerante ao lado da barbearia. Ele me deu um aperto de mão que eu falei ‘poxa vida, veio com vontade, quase quebrou minha mão’. Eu desejei boa sorte.
Me lembro que na época, ele estava com um terno azul e estava estreando uma calça cumprida. Ele tinha vindo para fazer teste no Santos. O Lula estava por lá, me chamou e disse: ‘Pepe, vou te dizer, esse rapaz joga muito. Vai ser o maior jogador do Brasil’. E ele se equivocou porque foi o melhor do mundo. Ele mostrou uma condição técnica incrível.
Ele veio e começou atuar como meia-direita, meia central, criador de jogadas. O sucesso começou a ser tão grande que os jornais destacavam que uma grande promessa chegou ao Santos e futebol brasileiro. Eu tive o privilégio de acompanhar.
Nós sabíamos que ele era um garoto normal, se cuidava, tinha uma educação muito boa do seu Dondinho e dona Celeste. Quando chegou ele chegou ao Santos, ficou morando na pensão da dona Georgina, junto com o Lima.
Aí Começaram a vir os jogos, excursões, viagens. O pessoal da Bahia, do Nordeste, todos ficaram muito impressionados com o que o Pelé mostrava como jogador e a facilidade para fazer gol. Foi o jogador mais completo que eu já vi. Tudo que fazia, ia muito bem. O Vasconcelos, que era um ídolo no clube, também me disse: ‘Olha, vou te dizer uma coisa, eu nunca vi nada igual a esse Pelé’.
Hoje nós temos excepcionais jogadores. O Messi, eu tive o prazer de conhecer, um menino muito bom, não é mascarado. O Cristiano Ronaldo eu conheci em Portugal, forte… São características diferentes. Os dois são grandes atletas. Mas o seu Dondinho e dona Celeste rasgaram a fórmula. O Pelé era completo. Não apareceu um igual.
Com o tempo, o mundo inteiro ficou sabendo que o Santos tinha um jogador entre 15 e 16 anos. E essas coisas maravilhosas que ele fazia no campo, todos queriam ver de perto. E, para nós, era preciso ficar atento. Ele fazia uma jogada e tínhamos que aparecer. Eu de um lado, o Dorval ali, Mengálvio aqui… ele encontrava esses jogadores sempre com um raciocínio muito rápido. O Pelé nunca se acovardou em campo.
E quando o Santos fechava contrato para disputar amistosos pelo mundo, sempre tinha uma cláusula dizendo que era indispensável a presença dos jogadores da Seleção Brasileira, em especial o Rei Pelé. Todo mundo queria vê-lo jogar.
Inclusive, eu não acho que a camisa 10 do Santos deva ser aposentada. Acho que está bom assim. A camisa número 10 sempre vai ser a mais importante, não precisa aposentar. Todo mundo quando vê a camisa 10, sabe que aquela numeração jogou o maior do mundo. Normalmente, quem usa a camisa é o melhor do time. Tivemos Maradona na Argentina, Puskás na Hungria, o galinho Zico no Flamengo.
E eu também treinei o Pelé. Foi normal… eu digo normal porque tínhamos uma amizade muito boa e ele queria fazer o melhor possível para me agradar, já que éramos e somos grandes amigos. Mas é o tal negócio, ele treinava em dois horários, físico, individual, não fugia do gramado, não ia para o Departamento Médico. Assim foi a carreira, jogador forte e saúde muito boa.
Até hoje quando ele me vê, me chama de “padrinho”. Eu fui padrinho de casamento do Pelé, eu e minha esposa. Esse dia eu tenho muito na memória. A igreja estava lotada, teve uns quatro ou cinco casamentos no mesmo dia. Mas todo mundo queria ver o casamento do Pelé. As outras noivas e noivos que foram se casar na igreja Coração de Maria, ali na Ana Costa, no mesmo dia, ficaram irritados. Uma mocinha ficou triste porque ela quase foi vaiada.
Hoje já não nos vemos como antigamente, eu tinha o prazer e a satisfação de estar junto nas concentrações e viagens. É uma amizade eterna, é um grande cara. Eu até dei um apelido nele de Júlio porque ele era muito bom goleiro. Se ele tivesse escolhido o gol, ele daria trabalho para o Gylmar. Ele lembrava um goleiro do Noroeste, o Julião. Então, pegou esse apelido, o Júlio.
Por esses e vários outros motivos, por fazer coisas que só ele conseguiu, o Pelé é a figura mais importante na história do futebol. O Rei é eterno”.
Depoimento de Pepe, o Canhão da Vila (de 1954 a 1969), ao DIÁRIO DO PEIXE, em comemoração ao aniversário de 82 anos do Rei Pelé*
Que presente o elenco deu para o Pelé ontem hein?
Está difícil acompanhar o Santos nos últimos anos, o que mantém a esperança é o amor pelo clube, porque o futebol já deixou a desejar faz tempo.