Dorval é um dos maiores ídolos da história do Santos (Crédito: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/ Santos)

O Santos perdeu, neste domingo, mais um importante nome de seu ataque dos sonhos que foi bicampeão mundial com o clube na década de 60. Dorval faleceu por um “quadro clínico delicado, com muita tosse“, segundo informações do Peixe e de sua assessoria.

Mas engana-se quem acredita que Dorval limitou-se ao campo. Ele foi muito mais.

Dorval foi engraxate na infância e chegou a fundar um time de futebol aos 13 anos em Porto Alegre: o Esporte Clube XV de Novembro. Precisou vencer o racismo para ter espaço no mundo da bola.

“Às vezes eu jogava na meia, às vezes na ponta, fui escalado até na ponta-esquerda. Mas era difícil um jogador de cor se firmar no Grêmio”, explicou.

Apelidado por Pelé de “Macalé”, o ponta veio para São Paulo e Rio de Janeiro em busca de oportunidade. Dorval conta como chegou ao Peixe:

“Eu cheguei no Santos através do Arnaldo Figueiredo, ele é empresário em Porto Alegre. Ele gostou de mim, levou para São Paulo para encaixar em algum clube. Eu vim com ele, ninguém aqui quis aceitar porque não tinha nome, jogava no Força e Luz, um clube muito pobre, e ele me trouxe para trazer teste. Em São Paulo ninguém quis. Ele me levou para Rio, ninguém quis também. Na volta para São Paulo, ligamos para Santos, a diretoria falou que precisava de um ponta direita e que se quisesse fazer um teste, deixamos. Eu fiz e no primeiro teste e o Lula mandou me contratar”, disse para Santos TV.

Dorval defendeu a seleção brasileira em 13 jogos (Crédito: Arquivo pessoal)

Decepção na seleção

Dorval conquistou muito, mas se entristeceu com a não presença nas Copas do Mundo de 1958 e 1962. Do time ‘ataque dos sonhos’, apenas Dorval não foi para Copa: Pelé, Pepe, Mengálvio e Coutinho estiveram na seleção.

“Único do ataque do Santos que não foi para a Copa do mundo foi eu. O resto todos foram campeões do mundo. O Vicente Feola achava que eu era muito brigão, e em copa do mundo não podia ser expulso. Eu era meio brigão mesmo, então não me levou. O único que não me levou em 58 e 62. Você fica triste porque o único do ataque do Santos não ir e não foi campeão do mundo. A gente fica meio triste. Se eu tivesse levado um pouco mais a sério eu teria ido”, comentou Dorval.

Coutinho, que faleceu em 2019 vítima de uma pneumonia, chegou a falar sobre o jeito “valentão” do amigo Dorval.

“O Dorval era e é o menino velho. Todo mundo brigava com ele, mesmo que ele não tivesse culpa nenhuma. Mas nós o xingávamos mesmo assim, porque sabíamos que depois disso ele iria se enfurecer e seu futebol renderia mais”, brincou o ex-camisa 9.

Marcar Mané Garrincha

Dorval era atacante. Diferente do que acontece nos tempos de jogo, os laterais eram mais marcadores do que alas. Em uma oportunidade em que Dalmo Gaspar foi expulso, coube ao eterno Dorval marcar nada mais que Garrincha.

“O Dalmo havia sido expulso. Eu já tinha jogada de lateral e me mandaram marcar o Mané Garrincha. Eu fui lá, eu dava o lado para ele não sair. Marcar o Garrincha não era brincadeira. Eu dava espaço porque tinha mais velocidade, então eu ganhava as bolas. Não é fácil. Mas levei vantagem”, brincou Dorval.

Passagem pelo rival

Ídolo do Santos, Dorval teve passagem pelo Palmeiras. Em 1967, o ex-jogador teve uma rápida passagem pelo time paulista. Disputou apenas 20 jogos, mas não teve o mesmo sucesso. Em uma dessas partidas, enfrentou o Santos, na Vila, em jogo que terminou 1 a 1. Dorval também passou pelo Athletico Paranaense.

Dorval e Carlos Alberto Torres (Crédito: Reprodução)

Santista de coração

Antes da pandemia, Dorval era figurinha carimbada na Vila Belmiro. O craque chegou a reclamar em certos momentos sobre o tratamento ruim do Santos com nomes importantes da história do clube, o que mudou com a criação do “Ídolos eternos”, criação do Peixe para valorizar feitos dos maiores jogadores da história do futebol santista.

“Eu não perco um jogo do Santos. O ex-jogador santista que mais vem ver o Santos jogar sou eu. Tudo que é jogo eu venho, na derrota, vitória, o importante é ver o Santos jogar. Tenho meus amigos comigo, Edu, Coutinho… amizades que fizemos e continuamos”, disse Dorval em 2014.

Pós-carreira

Quando encerrou sua carreira, foi contratado pelo Baneser para coordenar uma escolinha de futebol para garotos em São Paulo. Quando perdeu o patrocínio, precisou de ajuda dos pais dos garotos e do empresário Mário Medina. Acabou se tornando o Centro Desportivo Municipal Ferradura, na Vila Santa Catarina. Dorval foi professor de campo e de “bons modos” para os garotos. Fazia, vez o outra, churrasquinho para os jovens da periferia. Segundo relatos de pessoas próximas, a intenção do ex-jogador era afastar os garotos do crime.

Próximo de parar de trabalhar, foi vendedor de plásticos e técnico do time amador da Indeplast, de Diadema.

Luta pela vida

Dorval chegou a ser internado em junho de 2020 com fortes dores de estômago. Em meio a pandemia, tentou até fugir do hospital Ana Costa, em Santos, mas não conseguiu. Precisou tomar calmantes para conseguir dormir.

O camisa 7 nasceu em 26 de fevereiro de 1935, em Porto Alegre. Era torcedor do Internacional. Mas, depois de 17 títulos pelo Santos: Mundial (2), Libertadores (2), Brasileiro (4), Paulista (5) e Rio-São Paulo (4). Sendo o 5º jogador com mais partidas (610) e o 6º maior artilheiro (193), é inegável: Dorval nos deixou colorado de nascença e santista de coração.