Santos teve apenas público de mulheres e crianças na Vila Belmiro (Crédito: Raul Baretta/ Santos FC)

O Santos venceu o Botafogo-SP na Vila Belmiro por 1 a 0 e garantiu vaga na próxima fase da Copa do Brasil. O protagonismo, porém, ficou nas arquibancadas. A partida foi marcado pela presença das mulheres por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportivo (STJD).

Tudo acontecem no ano passado quando em uma partida entre Santos e Corinthians, após invasão de um torcedor, o Peixe foi punido. Assim, o Santos pediu que a pena de dois jogos com portões fechados fossem revertidos. O Alvinegro Praiano conseguiu a liberação, mas com ressalvas: entrada de mulheres somente de mulheres, desde que não sejam filiadas às torcidas organizadas, crianças de até 12 anos e pessoas com deficiência.

Umas torcedoras que marcou presença foi Nicole Ferreira, de 25 anos. Para ela, é preciso igualar o número de torcedoras nas arquibancadas, e que essa decisão de ter somente mulheres na torcida não pode ser encarado como “punição”.

“Para mim, a experiência de ontem causou duas sensações diferentes. A primeira que, a presença de mulheres e crianças no estádio não pode ser entendida como punição. Estamos lá sempre, marcando nosso espaço e participação no futebol. A segunda é que estar em um estádio de futebol sem a presença masculina só fez reacender a necessidade de igualarmos o número da participação de mulheres com as dos homens. Com certeza tornaria tudo mais confortável e acessível para todos os públicos”, disse a torcedora.

Nicole Ferreira e Pietra, na parte da frente da foto, ao lado de suas amigas Fernanda e Lívia (Crédito: Reprodução)

Já Nanny Santos, 34 anos, valorizou a presença feminina e relembrou épocas de dificuldade, em que imaginar um estádio com poucas mulheres era difícil, quanto mais somente com elas.

“Foi diferente, algo que nunca imaginei, lugar que predomina o público masculino ter só mulheres e crianças. Foi muito diferente e bem legal. É legal ver a participação do público no esporte, não só no futebol como em vários outros. Eu frequento tem muitos anos e se você pegar o público feminino hoje em dia e 10 anos atrás, você vê o quanto que cresceu. Muito legal ver à voz feminina apoiando o Santos”, comenta Nanny.

A torcedora Thais Azevedo, 27 anos, contou detalhes de como é o dia a dia de mulheres em dias de jogos com homens. Para ela, muitas mulheres acabam tendo vozes “abafadas” e há um sentimento de solidão, o que pôde ser diferente no confronto desta quarta-feira (26).

“Foi muito diferente. Isso porque, em geral, a gente não costuma ouvir a voz das mulheres cantando e comentando os jogos. Nossas vozes acabam sendo “abafadas” pelas dos homens e às vezes parece que estamos sozinhas lá. Eu ainda tenho muita sorte de ter um grupo de amigas que sempre está presente nos estádios, imagino que o choque tenha sido ainda maior para quem não comparece ao estádio com outras mulheres”, conta Thais.

Thais Azevedo (a primeira da esquerda para direita, na segunda fileira de cima para baixo) com suas companheiras de arquibancada (Crédito: Reprodução)

Preço dos ingressos causa incômodo 

O Peixe anunciou na dia 23 de abril que neste jogo as sócias teriam um valor único para pagar, e não mais com os descontos de cada categoria. Após receber diversas críticas nas redes sociais, o Santos voltou atrás. O grande problema é que a decisão ocorreu apenas um dia antes do jogo.

Thais Azevedo é sócia Black, plano mais caro para no Sócio Rei. Uma das vantagens nele é que os assinantes desta categoria não precisam pagar ingressos, apenas reservar antecipadamente. Essa mudança pontual, posteriormente revertida, causou estranheza.

“Eu recebi a informação na fatura do meu cartão, né (risos). Eu até achei que o site estava com problema quando apareceu a cobrança do meu ingresso, cheguei a cancelar a primeira compra que fiz achando que havia algum erro. Depois fui consultar as redes sociais do clube e vi que seria cobrado o valor da meia entrada para todas as sócias. A gente paga o sócio Black para ter o melhor desconto e acabamos sendo cobradas mesmo assim. O número de sócias nessa categoria nem é tão grande para justificar uma eventual cobrança em um jogo com público mais restrito. Depois ainda soltaram nota dizendo que vão reembolsar… aquela confusão de sempre. O Santos errou muito na tratativa dessa partida, perdeu uma grande oportunidade de atrair as mulheres e mostrar que a Vila é também nossa casa”, disse Thais.

Para piorar a situação, crianças precisaram pagar normalmente a entrada, como foi o caso da pequena Alexia, de 1 ano e sete meses, filha da santista Amanda Marques, 26 anos. Ela explicou que, além de seu ingresso, precisou pagou outras duas entradas para conseguir levar familiares: da filha e de sua mãe Adriana Cristina, de 50 anos.

“Nós três pagamos ingressos. Eu particularmente nunca concordei com criança ter que pagar ingresso, ainda mais se tratando de criança de colo, e vi muitas na Vila. Mas, nas minhas condições neste momento, estava acessível o preço, por isso optei em levá-las, mas muitas pessoas não tiveram a mesma oportunidade, acho que se tratando da situação, seria uma oportunidade de ser cobrado um valor simbólico. Acredito que assim os setores disponibilizados estariam cheios e a renda seria maior, mas não sei qual o critério que é usado para isso ser aplicado”, afirma Amanda.

Amanda, Alexia e Adriana em frente à Vila Belmiro minutos antes do jogo (Crédito: Reprodução)

O Santos anunciou que o público na Vila foi de apenas 1.788 pessoas para uma renda de R$ 39.740,00. Nanny Santos deu a mesma sugestão e sugeriu um preço simbólico e lamentou a perda de oportunidade do clube ter o estádio cheio para um dia histórico.

Cabe ressaltar que existia uma determinação de que o valor arrecadado na comercialização dos ingressos deveria ser doado em partes iguais para cinco instituições indicadas pela Secretaria do STJD. O valor não poderia ser inferior a R$ 50.000,00. O Peixe poderia, por exemplo, abrir os portões, mas teria que fazer o pagamento do seu bolso.

“Uma coisa que o Santos errou nesse jogo é o preço dos ingressos. Joga R$ 42 inteira e R$ 22 meia com as taxas do site. Vai uma mãe com duas crianças, já são R$ 66 reais. É alto. Hoje, dava para ter mantido um valor simbólico com R$ 10 inteira e R$ 5 meia, ou até menos. Sabíamos que não poderia ser entrada de graça ou com troca de alimentos, tinha que cobrar. O Santos poderia ter jogado o valor lá embaixo e pago R$ 50 mil, já que teria premiação em caso de classificação. O Santos errou muito nisso, poderia ter tido mais mulheres”, disse Nanny.

Torcidas Organizadas proibidas de entrar

Um grupo de torcedoras do Santos protestaram contra o presidente Andres Rueda minutos antes e também depois do confronto. As críticas aconteceram por conta da não abertura do portão 7/8 e, principalmente, a proibição de qualquer uso de adereços remetentes à torcida organizada.

Como foi explicado acima, o veto às torcedoras de organizadas partiu do Superior Tribunal de Justiça Desportivo (STJD). Para elas, os líderes do Santos, em especial o cartola santista, deveriam ter lutado para que às torcedoras pudessem ir ao estádio torcer normalmente com bateria e bandeiras, por exemplo.

“Outro erro do clube foi ter fechado o portão 7/8, que é um setor que as mulheres das organizadas já estamos acostumadas ficar ali ou as que não são de organizadas, mas gostam de estar porque ali cantam. Já não podiam entrar com bateria, faixa, bandeiras… o mínimo que o clube tinha que fazer era liberar o estádio inteiro. Não entendo o motivo para terem feito isso”, explica Nanny Santos.

Bárbara Comparato, Kelly Delgado e Nanny Santos, momentos antes de entrarem na Vila Belmiro (Crédito: Reprodução)

“Ontem poderíamos ter feito uma festa muita mais linda se os ingressos não tivessem sido cobrados, ou se pelo menos, tivesse sido custado cinco reais. E claro, se a torcida organizada feminina não tivesse sido proibida de fazer o que elas sempre fazem, o que não é baderna”, completa Nicole Ferreira.

Público infantil 

Nicole Ferreira levou sua sobrinha Pietra, 6 anos, para acompanhar o jogo na Vila, fato que não é inédito na vida das duas. Um fator, porém, chamou atenção: a torcedora mirim se sentiu à vontade no entorno do estádio.

“Me senti mais segura e confortável. Deu para perceber que a Pietra sentiu isso desde do lado de fora da Vila… Ela corria pelas ruas e brincava de uma forma que nunca fez antes. Na hora do jogo, fez amizade com uma outra criança que estava do lado dela. Eles ficaram conversando e brincando. Subiam na cadeira para pular e aplaudir juntos. Sobre às mulheres, deu para perceber a solidariedade que tinham uma com a outra que estavam do seu lado, mesmo sem conhecer”, comenta Nicole.

A torcedora Thais Azevedo não foi acompanhada por crianças, mas também destacou as imagens de vários torcedores pequenos como se estivessem no “quintal de casa”.

“Também foi muito legal ver as crianças correndo pelas arquibancadas e aproveitando a Vila. Pareciam estar no quintal de casa. E acho que é assim que queremos que todos os torcedores se sintam lá”, aponta Thais.

Karina Berringer, 42 anos, foi outra torcedora que aproveitou a oportunidade de ter o estádio somente com mulheres para levar sua filha, Fernanda, de 5 anos, para torcer para o Peixe. A felicidade foi tão grande que no próximo domingo, na partida das Sereias da Vila contra o Internacional, mãe e filha estarão de volta. A entrada será gratuita.

“Eu sou santista desde pequena, meu avô era santista, eu ia com ele ver, ficava brincando nas escadarias. Ontem por ser só mulher, prometi levar. Até achei que era gratutito, mas prometi que levaria, ela tem 5 anos. O time não merecia muito, nossa como está feio, mas foi legal. Mas eu falei: ‘na hora do gol tem que prestar atenção, não tem replay (risos)’. Estaremos de volta no jogo das Meninas”, disse Karina.

“Sim, gostei muito. Foi muito legal”, completa Fernanda, torcedora mirim.

Karina e sua filha, Fernanda, no jogo desta quarta (Crédito: Reprodução)

Vozes femininas na arquibancada 

A forma com que o Santos tratou a situação não agradou todas as torcedoras. Thais Azevedo compartilhava uma forte esperança de que, no futuro, mais mulheres marcassem presença no estádio, mas não esconde sua chateação com a forma em que a diretoria Alvinegra conduziu a oportunidade de ter só mulheres na torcida.

“Eu sempre fui ao estádio com meu pai. Desde pequena. Era muito raro eu ver algum grupo de amigas, mas também não era algo em que eu reparava. De uns dois anos para cá comecei a frequentar mais e perceber que mais mulheres compartilhavam dessa mesma vontade de estar no estádio, a sensação era de que passaríamos a ocupar mais este espaço. Só que depois do jogo de ontem, acabei perdendo um pouco as esperanças. Se o próprio clube não oferece atrativos para que as mulheres queiram estar lá, como a torcida feminina vai crescer? O número de mulheres no estádio aumentou bastante, mas acho que poderia ser ainda maior se o Santos incentivasse mais isso”, afirma Thais.

Emocionada, a torcedor Amanda Marques ficou feliz em ver sua mãe, filha e outras torcedoras santistas apoiando o clube de coração.

“Achei maravilhoso pela parte onde pudemos mostrar nossas vozes e nossa festa na arquibancada, mesmo com os empecilhos, então ver aquela cena em que as mulheres estavam incentivando o time, foi no mínimo, emocionante para mim”, comenta Amanda.

O Santos volta a campo no próximo sábado, às 18h30, novamente na Vila Belmiro, mas dessa vez pelo Campeonato Brasileiro. Com venda para todos os torcedores, os sócios do clube têm prioridade pelo site Sócio Rei enquanto o público geral poderá adquirir pelo Futebol Card.

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